sábado, 11 de outubro de 2008

O velho do sebo

Um velho marinheiro, após ler toda sua biblioteca - me disseram - passou a viver atrás de sebos. Por ser marinheiro, acredito eu, resolveu freqüentar o "Mar de Histórias", um sebo em Copacabana, ao lado do posto da Cedae. Eu mesmo o vi lá por diversas vezes. Ora folheava um livro, ora comentava; com quem, não sei. Às vezes falava com um tal de Machado, outras vezes com um certo Ramos, outras ainda com Olavo... Numa certa manhã olhou pra mim e me chamou de Alencar. Por um instante achei que ele estivesse maluco; não nos conhecíamos, embora eu o já tivesse visto antes.
Certa tarde eu o encontrei a folhear "O navio negreiro". Olhava a capa, abria, folheava, se lia não sei, colocou-o na estante, pegou-o novamente. Dirigiu-se ao balcão e perguntou o preço. Devolveu ao seu lugar. E assim fazia com todos os livros que pegava. Fiquei curioso.
Sempre que eu passava naquele local lá estava o velho a folhear livros; nunca o vi comprar nenhum. Era sempre a mesma coisa: abria, folheava, perguntava o preço e o devolvia ao local. Às vezes parecia normal, às vezes parecia maluco, mas assim são os loucos, ou os sãos.
Um dia, ao entrar no sebo, meus olhos o encontraram. Seu olhar fitava o meu expressando uma certa melancolia que contrastava com o verde de seus olhos que buscavam, na prateleira, mais um amigo para conversar. Perdi a coragem de me aproximar. O seu braço, trêmulo, tentava lentamente se arrastar até o objeto desejado. Cheguei a pensar em oferecer-lhe ajuda, mas recuei. Talvez eu tivesse invadindo a privacidade daquele pobre homem, mesmo assim continuei observando. Quem sabe agora não fosse falar com Bilac, Rachel, Lins. Esperei. Finalmente sua mão trêmula alcançou uma... Bíblia. Ele soprou a poeira da capa, folheou-a e parou em Mateus e leu em voz audível: "Mateus 11:28: Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei". Dessa vez não perguntou o preço. Achei que tivesse esquecido. Fechou-a e devolveu à prateleira. Levantou ao céu um olhar de piedade e saiu.
Nunca mais o encontrei por lá.

Por João Ferreira

Natal por outro ângulo


As ruas estavam vazias. Lojas e shoppings decorados com árvores de Natal e milhares de luzes coloridas que piscavam intermitentemente. O clima natalino pairava no ar. Fogos de artifícios estouravam aqui e ali. Algumas pessoas ainda passavam correndo em direção ao lar. Certamente a ceia estava sendo preparada e os familiares as esperavam para a confraternização. A casa à frente tinha uma mesa farta, repleta de refrigerantes, cervejas, panetones, rabanadas e uma infinidade de guloseimas. Crianças correndo pra lá e pra cá brincando com seus presentes que o Papai Noel trouxera. Uma música animada convidava todos a uma dança. Meia-noite. Homens, mulheres e crianças se abraçavamm e trocavam presentes, bebiam e comiam à vontade. Confraternizavam-se. A TV começava a apresentar a Missa do Galo. A paz, a comunhão, a solidariedade.O Pivete certamente não conhecia aquelas palavras assim como também não sabia de que forma saciar sua fome. E saiu sozinho pelas tristes ruas de uma alegre noite de Natal.
Por João Rodrigues